Canções sobre poema do livro Broquéis, e sobre sonetos do livro
"Últimos Sonetos" de Cruz e Souza
Regina Coeli
Ó virgem branca, Estrela dos altares,
Ó rosa pulcra dos Rosais polares!
Branca, do alvor das âmbulas sagradas
E das níveas camélias regeladas
Das brancuras da seda sem desmaios
E da lua de linho em ninho e raios
Regina Coeli das sidérias flores
Hóstia da Extrema-Unção de tantas dores.
Ave de prata e azul, Ave dos astros...
Santelmo aceso, a cintilar nos mastros.
Gôndola etérea de onde o Sonho emerge...
Água lustral que o meu Pecado asperge.
Bandolim do luar, Campo de giesta,
Igreja matinal gorjeando em festa.
Aroma, Cor e Som das Ladainhas
De Maio e Vinha verde dentre as vinhas.
Dá-me, através de cânticos, de rezas,
O Bem, que almas acerbas torna ilesas.
O Vinho d'ouro, ideal, que purifica
Das seivas juvenis a força rica.
Ah! Faz surgir, que brote e que floresça
A vinha d'ouro e o vinho resplandeça.
Pela Graça imortal dos teus Reinados
Que a Vinha os frutos desabroche iriados.
Que frutos, flores essa vinha brote
Do céu sob o estrelado chamalote.
Que a luxúria poreje de áureos cachos
E eu um vinho de sol beba aos riachos.
Virgem, Regina, Eucaristia, Coeli,
Vinho é o clarão que teu Amor impele.
Que desabrocha ensanguentadas rosas
Dentro das naturezas luminosas.
Ó Regina do Mar! Coeli! Regina!
Ó Lâmpada das naves do Infinito!
Todo o Mistério azul desta Surdina
Vem d'estranhos Missais de um novo Rito!...
Caminho da Glória
Este caminho é cor-de-rosa e é de ouro,
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.
Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.
É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando
Neste celeste, límpido caminho
Os seres virginais que vêm da Terra
Ensanguentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.
Prodígio
Como o Rei Lear não sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o céu d'estrela todo resplandeça)
A tua alma, na dor mais nobre aumenta.
A desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda a mais espessa...
Todo o teu ser em músicas rebenta.
Em músicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistério singular, nevoento
Ah! Só da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
O estranho mar genial de Sentimento!
Supremo Verbo
Vai Peregrino do caminho santo,
Faz da tu'alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego
As invisíveis amplidões do Pranto
Ei-lo do amor o cálice sacrossanto!
Bebe-o feliz, nas tuas mãos o entrego...
Eis o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.
- Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo...
Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que se vão multiplicando,
A portas de ouro que se vão abrindo!
Floresce!
Floresce, vive para a Natureza,
Para o Amor imortal, largo e profundo,
O Bem supremo de esquecer o mundo
Reside nessa límpida grandeza.
Floresce para a Fé, para a Beleza
Da luz, que é como um vasto mar sem fundo,
Amplo, inflamado, mágico, fecundo,
De ondas de resplendor e de pureza.
Andas em vão na Terra, apodrecendo
À toa pelas trevas esquecendo
A natureza e os seus aspectos calmos.
Diante da luz que a Natureza encerra
Andas a apodrecer por sobre a Terra,
Antes de apodrecer nos sete palmos!
Almas Indecisas
Almas ansiosas, trêmulas, inquietas,
Fugitivas abelhas delicadas
Das colmeias de luza das alvoradas,
Almas de melancólicos poetas,
Que dor fatal e que emoções secretas
Vos tornam sempre assim desconsoladas,
Na pungência de todas as espadas,
Na dolência de todos os ascetas!
Nessa esfera em que andais, sempre indecisas
Que tormento cruel vos nirvaniza,
Que agonias titânicas são essas?!
Por que não vindes, almas imprevistas,
Para a missão das límpidas conquistas
E das augustas, imortais Promessas?!
Coração Confiante
O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado sem pavor sem medo...
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no Caminho.
Vai no alvoroço, no celeste vinho
Da luz, os bosques acordando cedo,
Quando de cada trêmulo arvoredo
Parte o sonoro e matinal carinho.
E o Coração vai nobre e vai confiante,
Festivo como a flâmula radiante,
Agitada bizarra pelos ventos...
Vai palpitando, ardente, emocionado,
O velho Coração arrebatado,
Preso por loucos arrebatamentos!
Crê
Vê como a Dor te transcedentaliza!
Mas num fundo da Dor crê nobremente.
Transfigura o teu ser na força crente
Que tudo torna belo e diviniza.
Que seja a Crença uma celeste brisa
Inflando as velas dos batéis do Oriente
Do teu Sonho supremo, onipotente,
Que nos astros do céu se cristaliza
Tua alma e coração fiquem mais graves
Iluminados por carinhos suaves,
Na doçura imortal sorrindo e crendo...
Oh! Crê! Toda a alma humana necessita
De uma Esfera de cânticos, bendita,
Para andar crendo e para andar gemendo!
Mundo Inacessível
Tu'alma lembra um mundo inacessível
Onde só astros e águias vai pairando,
Onde se escuta, trágica, cantando,
A sinfonia da Amplidão terrível!
Toda a alma que não seja alta e sensível.
Que asas não tenha para as ir vibrando,
Nessa Região secreta penetrando,
Falece e morre de um pavor incrível!
É preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruídos de fanfarras
Do mundo da tu'alma augusta e forte.
É preciso subir ígneas montanhas
E emudecer, entre visões estranhas
Num sentimento mais sutil que a Morte!
Um Ser
Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente o florir das lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.
Um ser pertence a música infinita
Das Esferas pertence à luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.
Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frívolas cegueiras...
Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras,
Fecundadas nos próprios desenganos.
Alma solitária
Ó doce, triste, suave e cativante,
O tempo dos sonhares tão distante
Quando a vida em festa explodia em flores
Perfumando o tinto vinho e meus amores
Um vulto de mulher, a placidez, a luz
Vastas paisagens, cores, primaveras.
Nos dois, o lago azul, aromas de alcazus,
As cristalinas águas de quimeras.
Falávamos de coisas vãs e prazerosas,
Num perpassar de nuvens deliciosas,
Nesses momentos que se findam em instantes.
Ambos cansados no minuto mudo,
Olhos nos olhos, dizendo quase tudo
Desnecessários em bocas dos amantes
Desnecessários em bocas dos amantes
Sorriso Interior
O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto
Leva consigo este brasão augusto
Do grande amor da grande fé tranqüila.
Os abismos carnais, da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe esta glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.
Um ser que é ser transforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!
Mealheiros de Almas
Lá das colheitas do celeste trigo
Deus ainda escolhe a mais louçã colheita
É a alma mais serena e mais perfeita
Que ele destina a conservar consigo.
Fica lá, livre, isenta de perigo,
Tranquila, pura, límpida, direita
A alma sagrada que resume a seita
Dos que fazem do amor eterno Abrigo.
Ele quer essas almas, os pães alvos
Das aras celestiais, claros e salvos
Da Terra em busca das Esferas calmas.
Ele quer delas, todo o amor primeiro
Para formar o cândido mealheiro
Que há de estrelar todo o Infinito de almas.
Êxtase Búdico
Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade.
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!
Óleo da noite sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescências da saudade,
Graça das Graças imortais oriunda!
As estrelas cativas no teu seio
Dão-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!
Abre-me os braços, Solidão radiante
Funda fenomenal e soluçante
Larga e búdica, Noite redentora.